sábado, 26 de fevereiro de 2011

QUANDO AS PRIMAVERAS APRENDEM A VOAR


QUANDO AS PRIMAVERAS APRENDEM A VOAR
Oswaldo Antônio Begiato

Canso-me, antes do anúncio da chegada do trem
Pelo sino fatal escondido na torre da estação,
Mas quero manter-me desperto. Vivo.

Não quero mais janelas no meu quarto.
As janelas me deixam enrugado. Por elas entra o tempo.
Quero só primaveras. Primaveras quentes.
Que elas invadam paredes adentro,
Se instalem em minha cama. Em meu corpo.
Me cubram de flores. Me façam feliz.

Que as primaveras não me deixem esquecer de amar.
Quero ter a esperança de corações buliçosos.

Um coração envelhecido dói.
Coberto por terminações nervosas e sentimentais
Dói como qualquer outro órgão. E dói muito!

Quem me dera não doesse. Não sentisse.
Quem me dera não amasse tanto,
Nessa idade cheia de curtos anos.
Cheia de desenganos.

O que será que envelhece tão bruscamente o coração de um homem?
As ilusões? As desilusões?
...
Os jovens não envelhecem nunca.
Os anos dos jovens são longos. Demoram findar.
Eles têm a pela lisinha,
o rosto ingênuo,
o andar desleixado,
uma liberdade que
só eles conseguem espalhar,
por conta dos sonhos.
Por conta de um coração invulnerável.
Isso os torna fascinantes. Têm eles um amor ágil e fácil.

A nós, velhos,
só resta aceitar as mazelas e delas debochar.
...
O que me mantém vivo é o pé de moleque;
brejeiro fica invertendo a direção dos sentidos
e mandando a morte passar adiante.

Teimosamente, permaneço amando.
Não sei como. Não sei o por quê. Não sei quem.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

QUE PENA ISSO!



-------------------->Tela: Caminhante, de Daniel de Oliveira - Dany

QUE PENA ISSO!
Oswaldo Antônio Begiato

Prosternado
Pelo teu impetuoso lado
Deixo esfolamentos
Ficarem nos muitos momentos
Que deserdei
Quando ainda eu era rei

Consternado
Por meu imprevisível lado
Fico muito triste
Na ausência tola que insiste
Na minha vida
Como vida removida

E assim vou bastardo, de déu em déu

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

IMPRESCINDIBILIDADE


IMPRESCINDIBILIDADE
Oswaldo Antônio Begiato

No principal cruzamento do Butão,
um pequeno e fechado reino nos Himalaias,
instalaram um semáforo.

O rei, por decreto, mandou derrubar
sob o argumento de que aquilo era muito deprimente.

Mandou colocar no lugar um ser humano.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

CÂNDIDO


..................................................Foto: Milene Sarquissiano

CÂNDIDO
Oswaldo Antônio Begiato

O Mestiço, moço, negro, sem camisa e belo,
veio, candidamente, me visitar no museu que construí,
com as coisas recolhidas no sótão de minhas anamneses.

Trouxe-me um cacho de lichias
maduras, docinhas e geladinhas.
Trouxe-o dentro de uma vasta cesta de vime
forrada com um pano de prato prata, bordado à mão.
Tudo interioranamente paulista.

No cartão de visita uma dedicatória e uma lição:
“Não perca seu tempo com santidades nem com sanidades;
as coisas mundanas e insanas é que são inolvidáveis.”

Trouxe-me, pois, essas réstias de esperança
só encontradas no sol e no solo de Brodowski.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

PRINCÍPIO E PRECIPÍCIO


PRINCÍPIO E PRECIPÍCIO
Oswaldo Antônio Begiato

De onde partiu o golpe que partiu meu coração
partiu também a flecha reta que me faz compor por linhas curvas.
Cansei-me de vaguear por águas turvas.

Dentro de ti aprendi, deusa da fertilidade,
a navegar e a fundear nas bacias floridas de tua alma casta e me fizeste estreme.
Com asas coloridas por entre tuas flores aprendi a voar e a fecundar;
a fecundar e a voar, em nome do vento e da multiplicação.

Foi dentro de ti, celeiro de virtudes robustas,
que encontrei, de olhos fechados, a retidão.

E não queiram agora me apartar de minhas convicções,
elas me acompanham desde os tempos de borboleta razoável.

(O fim dos princípios é o princípio do fim;
abismo de onde só volta quem tiver asas arco-irisadas.)

Quero, pois, viver a beleza imortal do presente, afortunado que sou,
e desatar-me de um passado duramente gravado no anel de compromisso
como obra de arte - natureza morta emoldurada de saudades -
cuja utilidade única é a de ficar exposta no museu do inalterável.

Queria tanto te deixar um presente, em forma de poesia fecunda.

Não a poesia ordinária que ando fazendo,
feita de palavras, de métricas, de rimas, de regras tantas...
Mas uma poesia feita de gestos onde o olhar se adentra pela alma afora
perfura as blindagens e desperta o inusitado.

(A expressão de um olhar apaixonado
é mais bela e profunda do que qualquer poesia escrita.)

Essa é a poesia que quero te deixar. O meu olhar belo e profundo,
capaz de conferir asas coloridas a quem quiser escapulir de abismos.

Mas como ando cego e acanhado
não serei capaz de compor a poesia de meu amor.