sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

AMANHECIMENTO

AMANHECIMENTO
Oswaldo Antônio Begiato
 
Tem dias
em que descubro
a poesia
logo pela manhã,
e minha boca fica com gosto
de flor e orvalho.
 
Tem dias
em que ela
é que me descobre
logo pela manhã
e me põe totalmente nu
diante de um sol novo.
 
Nesses dias
sinto orgulho
de minha
insignificância.

sábado, 15 de dezembro de 2012

APRENDIZADO

APRENDIZADO
Oswaldo Antônio Begiato
 
Foi caminhando
de mãos dadas
com você
que minhas mãos
aprenderam com as suas
a arte de semear.
 
Foi caminhando
os mesmos destinos
com você
que meus pés
aprenderam com os seus
a arte de chegar.
 
Foi caminhando
os mesmos impossíveis
com você
que meu coração
aprendeu com o seu
a arte de amar.
 
Para sempre.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

NO MEIO DAS POESIAS UMA CRÔNICA

QUANDO A CONFISSÃO NÃO SE FAZ NECESSÁRIA
Oswaldo Antônio Begiato
 
Sou filho de Milton, engenheiro civil prático, com documento e tudo e que carregou o mundo em sua carcaça velha e alquebrada e de dona Regina, rainha e benzedeira inconsciente de quebranto, erisipela, olho gordo e muito mais coisas que a medicina não consegue alcançar, mas os mistérios sim. Eles se amaram com um amor que nunca se viu em tempo algum.
 
Vim aqui para pedir perdão.
 
Já fui monge por cinco anos. Fiquei longe de pai e de mãe, de irmãos e de amigos. Fiquei longe até de mim mesmo. Perdi minha infância. Perdi as guias e os guias todos. Perdi a ilusão.
Comecei a perder a fé. Não em Deus, mas em mim, um caracol sem saída, envernizado até os cotovelos.
 
Já fui ver avião pousar e levantar voo no aeroporto Viracopos. Meu padrinho me levou.
Tive a sensação de que um dia poderia voar. Nunca saí do chão árido. Como o pó que o diabo amassou nunca saí do chão.
 
Andei de trem. Na velha e romântica Sorocabana. Acreditei em sacis. Acreditei em cegonha. Só mesmo em Papai Noel nunca acreditei. Nunca vi vestígios dele na minha casa em noite de Natal.
 
Uma única vez andei a cavalo. Montei um cavalo manso como lobisomem na lua nova.
Caí e temi jamais sentir minhas vértebras. As vértebras senti, mas coragem, nunca mais. Daí nasceu um sonho que nunca realizei; ter um cavalo e uma charrete.
 
Já fui, em um final de ano, passear na Avenida Paulista. No Natal rico do Menino Jesus pobre.
A beleza era tanta que o pouco de fé que tinha me restado, perdi. Mas fé firme mesmo era a minha fé de antes do caracol. Foi-se como se vão as ilusões todas.
 
Já tomei chopp nos bares de Copacabana, à noite. Sem muito dinheiro no bolso, mas com os olhos cheios de novidades. Lá, na conversa solitária da madrugada, aprendi que toda prostituta tem um filho. Se não de verdade, um inventado que sirva para comover os clientes.
 
Já venci, com um barco, as águas do rio Paraguai, onde suas margens eram mais distantes e seu leito mais infinito. Penso que nele fui batizado. Ouvi uma voz me chamando de filho e que em mim tinha colocado todas as complacências. Pensei ser a voz de meu Pai. E era mesmo. Se não era, fingi que era.
 
Já fui à minha própria formatura, enfiado dentro de uma beca. E depois fui à formatura de meu filho. Agora quem usava beca era ele. Depois não fui mais a formatura alguma, e não sinto falta alguma delas.
 
Tive alguns amores e muitos dissabores. Tantos desenganos!  Já me casei. Casei virgem, diante de um sacerdote suspeito. Não valeu a pena. Nem um pouco.
Eu tinha que mutilar mais a alma e casar mais vezes.  Cometer mais pecados. Chorar mais.  Chorar agora. Chorar ontem. Chorar sempre.
 
Já implantaram em mim quatro pontes no coração. Queria que por elas passassem novas caravanas, novos passos, novos amores. Por baixo queria que passassem novo sangue. Nada passou, porque coloquei nelas barreiras intransponíveis. As barreiras trouxe dos meus tempos de crente.
 
Inventei dois mil caminhos, nenhum me levou a lugar algum. Pelo meio dos caminhos foram ficando violinos, letras, pincéis e cinzéis. E ficaram muitos amigos. Voltei de onde sai e por aqui finquei meus calos todos. É onde vou morrer.
 
Mas antes quero me confessar porque espero morrer com os meus pecados perdoados, embora isso já não tenha mais importância diante de tantos pecados que vi pela vida afora sendo cometidos em nome da Santidade e sob o manto protetor dessa mesma Santidade.
Os meus pecados cometi-os em nome da boemia; em nome da poesia, sob o manto protetor da noite. Acho que isso, por si só, merece o perdão. Espero.

domingo, 9 de dezembro de 2012

PERDIÇÃO

PERDIÇÃO
Oswaldo Antônio Begiato
 
Ah, meu amor,
Não estou apaixonado!
Antes tivesse.
 
Antes tivesse
Os olhos brilhando
No infinito de sua presença
E o coração soluçando pela ausência infindável.
 
Antes tivesse
Vivendo o martírio das horas empacadas,
E a promessa de vinho à luz de velas
Com suas chamas bailando entre o silêncio das nossas almas.
 
Antes tivesse
A crença de noivos ingênuos
Que se ajoelham diante das fumaças de futuro
E a doce ilusão de eternidade;
Aquela que se desvanece na próxima esquina sem deixar pegadas.
 
Ah, meu amor,
Não estou apaixonado!
Antes tivesse.
 
Tenho sentido apenas a atormentadora dor da solidão.
 
Não estou apaixonado!
Antes tivesse.
Apenas me assustei diante de tão inesperado abandono.
 

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

LÍNGUA E PALAVRA

SUAVIDADE
Oswaldo Antônio Begiato

a palavra
é o gesto
da língua

o poeta
o mímico
obstinado

a poesia
o silêncio
revogado




quarta-feira, 28 de novembro de 2012

DOCE FENDA

DOCE FENDA
Oswaldo Antônio Begiato

tem horas
que sou horas
tem horas
que sou urgente

tem horas
que sou outro dia
tem horas
que sou
permanente

tem horas
que sou azul
tem horas
que sou verde

tudo depende
do ângulo
em que o sol
rasga
meu espelho-d’água...

...e da distância de seu entardecer




terça-feira, 20 de novembro de 2012

FARINHA DO MESMO SACO

FARINHA DO MESMO SACO
Oswaldo Antônio Begiato

Somos
Uvas do mesmo vinho,
Folhas do mesmo outono,
Geadas do mesmo inverno,
Pétalas do mesmo buquê.

Somos
Curvas da mesma história,
Quinas da mesma sorte,
Sinos da mesma catedral,
Contas do mesmo rosário.

Somos
Trilhos do mesmo descaminho,
Dúvidas da mesma verdade,
Inversos do mesmo espelho,
Mistérios da mesma esfinge.

Somos
Pinceladas da mesma tela,
Paisagens da mesma vidraça,
Luzes do mesmo olhar,
Estrelas da mesma farda.

Somos
Asas da mesma estratosfera,
Pérolas do mesmo oceano,
Lágrimas do mesmo lustre,
Gotas do mesmo temporal.

Somos
Cordas do mesmo violino,
Claves da mesma pauta,
Notas da mesma tristeza,
Canções do mesmo Universo.

Somos
Plurais do mesmo amor singular,
Pluriformes na mesma vastidão;
Dois corpos e uma única substância.
Somos um só e que se dane o destino.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

APURAÇÃO


APURAÇÃO
Oswaldo Antônio Begiato


O que o coração
não vê
os olhos
não sentem.

Aprendi isso
com meu amor
(esse que me vive
fugindo da vista)

Que coisa!

domingo, 28 de outubro de 2012

ILHA

ILHA
Oswaldo Antônio Begiato

sou
um
pedaço
de
real
idade
cercado de desenganos
por todos os lados

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

DESEJOS

DESEJOS
Oswaldo Antônio Begiato

No princípio
ela quis apenas
um instante.

Depois,
quando o céu
era tocável,
desejou muito
o perfume
das horas.

Mais tarde,
cheia da esperança
de quem nasce
livre,
suplicou pelo olhar
da vida inteira.

Algum tempo mais,
radiante
como uma noiva
virgem,
morria pela promessa
de eternidade.

Quando a última lágrima
chegou,
feliz como cuitelinho
diante do açucar,
ela se entregou escrava
de corpo
e alma
ao amor temporal.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

LAVAÇÃO

LAVAÇÃO
Oswaldo Antônio Begiato

levando
lavando
louvando
cantando
quarando
cansando
passando
passando
passando...

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

MILAGRE

MILAGRE
Oswaldo Antônio Begiato

Infarto fulminante
matou o relojoeiro.

A família descompensada
e descompassada
jogou no lixo
os relógios velhos.

Quanto tempo jogado fora!

Domingo pela manhã,
o padre reza missa
preparando o povo
para o final dos tempos.

Enquanto isso
o catador de entulhos
ajoelhou-se frente a tesouro
tão valioso,
juntou todas as horas mortas,
guardou-as dentro de seu saco
e murmurando uma prece
soprou-lhes vida.

Mais que depressa, as horas voltaram a passar!


segunda-feira, 27 de agosto de 2012

IRASCÍVEL

IRASCÍVEL
Oswaldo Antônio Begiato

Há em mim vácuos impreenchíveis
pedaços meus arrancados à força
e lançados no espaço vazio
entre corpos indesejados.

Essa sensação de estar isolado
entre tantas pessoas,
entre tantas gargalhadas,
entre tantas viagens
enerva meus sentidos
e minhas mãos tremem.

Já não posso tocar piano,
nem enfiar a linha na agulha,
nem manter o copo cheio,
nem escrever meu nome na linha do tempo...

Já não posso com elas dizer um adeus seguro
(eu não quero por ora dizer adeus).

E as flores?

Ai, as flores, as doces e meigas flores,
tão ternas e tão belas e tão coloridas e tão cheias de poesias...
Eu nunca quis
me encantar com elas;
elas duram pouco
e eu estou cansado de sofrer
com perdas inesperadas
(eu não quero por ora dizer adeus).

Ando me aninhando com ilusões vagarentas
porque sei que morrerei primeiro;
o caminhar delas me ilude fazendo pensar
que o tempo é lento e que a vida é longa.

Assim sob a luz indo e vindo
entre a entrada e a saída do túnel
vou reiniciando sempre
e iludindo o fim
que me hipnotizou
pelo resto da vida
(por ora, e só por ora, não posso dizer adeus).