sábado, 23 de junho de 2012

GABRIEL


GABRIEL
Oswaldo Antônio Begiato

Gabriel, menino dos cabelos cacheados
Como ondas de um mar desejado
Onde outros meninos surfam tranquilos
Em pranchas feitas de presente e meiguices,
Vem e deixe-me abrigar em teu colo farto
E te devolverei a pipa que nunca roubei de ti.

Gabriel, menino dos olhos adultos
Cheios de uma inquietação infantil
Onde eu, homem, aprendo a ser menino,
Não se preocupe com o raio cruel e ruidoso
Que queimou a televisão velha e cansada
No dia em que a chuva te fez adormecer.

Gabriel, anjo de novo encarnado, aqui bem perto,
Na pele doce herdada do cantador negro e luzidio
E da branca mãe que zela pelos teus tenros passos,
Vem, deixe-me adormecer no teu colo, ouvindo a chuva
Sem que eu me amedronte com os trovões e os raios.
Vem Gabriel, vem velar o meu sono atribulado!


segunda-feira, 18 de junho de 2012

COR DE MULHER


COR DE MULHER
Oswaldo Antônio Begiato

Vejo na corda, trapézio entre as árvores
de minha infância sonhadora,
as peças de roupas coloridas
que tu, mulher,
entregavas ao poder do sol para que ele as secasse
e ao poder do vento para que ele as embalasse.

Sinto nelas o cheiro do sabão em pedra que as lavou.
Porém, do sutiã e da calcinha limpos,
lembro-me do cheiro feliz de teu perfume.
Não o perfume artificial que usavas nas horas de festa,
mas o perfume colorido
que teus seios e teu sexo espalhavam pelas mãos da brisa outonal.

O perfume, fabricado dentro de ti nas horas de cio,
revirava, nas minhas sombras, o menino inextinguível
dentro do homem fragilizado pela imaginação criadora.

Muitos ventos passaram por nós, e o tempo vedou nossos poros.
Ontem cheguei a pensar não te amar mais;
por Deus, o que será que se passou no meu coração?

Hoje vejo o quanto estou impregnado de ti,
de tuas cores imortais,
de teu perfume eterno
e o quanto estou impregnado de um amor
florescido entre damas da noite
com as quais se confundiu.

Onde será que eu estava com a cabeça?

Onde eu encontraria uma mulher cujo sorriso
é da cor fresca do diamante,
o olhar da cor insolvível do ouro,
os passos da cor duradoura do horizonte
e a sombra que a segue da cor do imensurável infinito?

Em que lugar do mundo eu poderia encontrar
uma mulher tão colorida e sem medidas como tu?

Em que lugar?

E tu nem sabes disso. Ou fazes de conta que não sabe.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

EFEMERIDADE


EFEMERIDADE
Oswaldo Antônio Begiato
escravo
escrevo
poesias

escrevo
poesias
procriando palavras

elas alçam vôo
ao timbre da voz
ao frescor da tinta
à coragem da anunciação
e deixam só o nó dos liames

poesias são crias que se perdem no arroubo da libertação

terça-feira, 5 de junho de 2012

OUTROS HAICAIS

OUTROS HAICAIS
Oswaldo Antônio Begiato

NO FIM DO DIA

Tardinha no pomar,
Na árvore as frutas maduras;
Balbúrdia de pássaros!

RENASCIMENTO

O orvalho na pétala
Faz frescor na flor menina;
Vida obediente.

LEDO ENGANO
A pior das vaidades
Leda humildade dos santos;
Nem eles a notam!

IMIGRANTE

Do olho pequenino
Eis a lágrima que cai;
Saudade doída.

MILAGRE

O céu soluçando
Chove, para; chove para.
A semente brota.

AMOR PERDIDO

Chuva intermitente;
Amor vai, tristeza vem,
Revolve-se a vida.

FUGAZ

E depois da morte?
Esquecimento, mais nada,
e a vida que segue...